terça-feira, 7 de março de 2017










Enric Farrés Duran
Encostar-se a um morto para se fazer invisível
Inaugura | Opening: 
10.03.2017 às 22h | 10pm




(Scroll down for English)

ENCOSTAR-SE A UM MORTO PARA SE FAZER INVISíVEL

O título desta exposição está mal formulado. Quando te encostas, ou esfregas, num morto o que consegues é impregnar-te do odor da putrefação. Odor que dissimula o teu próprio odor, anula o teu rasto e torna-te invisível. Invisível para quem? Para aqueles que veem com o nariz, que leem o jornal cheirando as esquinas, ou a quem as notícias chegam de longe através de kilometros acumulados na roda de um carro. Os cães esfregam-se num morto com o intuito de desaparecer. Desaparecer porquê? Por instinto. Para controlar a comunicação - emitir sinais voluntários quando e onde quiserem- e evitar que ninguém os siga, dissimulando-se num outro. Outro que ninguém conhece. Um sapo morto à vários dias.

Esta é uma exposição para cães, e este texto é para os donos dos cães. Na exposição foram utilizados vários elementos que os cães podem percepcionar mas os humanos não, eliminando assim toda a tentação estúpida de antropomorfizar os animais. Não se trata de colocar pinturas à altura dos cães, nem de lhes colocar óculos para que estes vejam melhor. Trata-se de "canificar" o homem, afirmando -quiçá celebrando- a diferença que torna evidente a frustração de nada ver nesta exposição.
De facto, o público desta exposição é outro, próximo e dependente, extremamente dócil e que se deixa educar. Um público que é o nosso melhor amigo, assim que se deixa. Já que necessita de nós. Mas que na verdade, come qualquer coisa e a relação que mantemos com ele é puramente ficcional. Feita à medida. Construída através de malformações e modos, através de cruzamentos calculados e retorcidos conseguiram passar um lobo a chihuahua. Um público à imagem e semelhança de nós próprios. Que não hesitemos em considera-lo mais um da família, quando na verdade lhe é indiferente. Mostra indiferença perante as nossas coisas. Perante este texto. Mas esta exposição é diferente, esta exposição está pensada para eles. Está feita especificamente para eles. E de facto, a exposição fica afectada fisicamente pelo público que a visita. Assim que entrar o primeiro cão, a exposição jámais será a mesma. Esta exposição não é críptica, é complexa, como é complexo o xixi de cão em cima de xixi de cão, evidenciado a nossa incapacidade de entender, o carácter simples e desajeitado da nossa percepção.


Aqui - e quem sabe em todos os lugares - somente podemos perceber através de um outro, e através das reacções dele podemos interpretar algo. Acedemos ao conteúdo através da interpretação de um gesto, de um interesse, ou de uma rejeição. Isto é, no desejo da comunicação pomos quase tudo de nossa parte. Sabemos o que é que interessa ao público e o que não, qual a sua posição, e aquilo que não lhe interessa. É por isso que utilizamos materiais específicos –hormonas, odores e ultra-sons– para criar obras. Para criar contradições, escalas de valores, armadilhas que geram discurso. Pois nós sabemos o que interessa ao outro, o que lhe convém escutar – farejar neste caso– fazemos exposições e oferecemos conteúdos, embora não tenhamos outro remédio que aceitar a frustração gerada por um título –um odor– mal formulado.

Enric Farrés Duran

-----------------------------------------------------------------------------

English:


LAY WITH A CORPSE TO BECOME INVISIBLE


The title of this show is not well formulated. When you rub yourself with a dead body you get permeated by putrefaction. A smell that hides your own smell, eliminates your traces. It is when you become invisible. Invisible for who? For those who see with their nose, those who read the paper smelling the edges, those whose Facebook is a pipican (the place where dogs pee) or those who receive news from far away through the trace accumulated on car’s wheels. Dogs rub themselves with a dead body with the will to disappear. Disappear for what? For instinct. To control communication -to emit their own signals where and when they wish– and to avoid that anyone follows their trace, pretending to be someone else. Someone else they don’t know. A toad dead a few days ago.

This exhibition is for dogs, and this text for the owners of dogs. This exhibition uses elements that dogs can perceive and humans can't, getting rid of any stupid temptations to anthropomorphize the animal. It is not about placing paintings to the height of a dog, nor to give them glasses in order to see the works. It consists to "dog-ify" men, making evident -maybe celebrating- the difference that reveals the frustration of not seeing anything in this exhibition.

In fact, the audience of this exhibition is another, warm and dependent, extremely ductile and who lets itself be educated. An audience who is our best friend. It needs us. But in fact, eats anything and the relationship with it is purely fictional. Made to size. Constructed by deformations and trends, by the calculated and twisted crosses that have allowed to transform a wolf into a Chihuahua. An audience made to our image and resemblance. We don't hesitate to consider it one more of the family when in fact they don't care. It shows indifference towards our things. Towards this text. But this exhibition is different, this exhibition is thought for them. It is made specifically for them. And in fact, the public who visits it physically affects this exhibition. When the first dog comes in, the exhibition will never be the same. This exhibition is not cryptic, it is complex, as complex as the piss is for dogs, making evident an incapacity to understand, the simple and clumsy tendency of our perception.

In here -and maybe everywhere- we can only perceive through the other, and through its reaction attempt to interpret something. We access the content through the interpretation of a gesture, of an interest, of a rejection. This is to say, in the illusion of communication we give almost everything from our side. But in fact, we know what the audience is and isn't interested, what the audience stands, what they don't like. It is for this that we use such specific materials -hormones, odours, ultrasounds- to create works. To create contradictions, value or traps by generating discourse. Because we know what the other is interested in, what it wants to listen -smell in this case- we make exhibitions and offer content. However we might only have to accept the frustration generated by a title -or a smell- badly formulated.

Enric Farrés Duran








Mais imagens em breve | More images soon